Há mundos assombrados pelos demônios, regiões de absoluta escuridão.

ISHA UPANISHAD

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CIÊNCIA ANOTADA

Teorias científicas

As teorias científicas mais recentes são melhores que as mais antigas no que tange à resolução de quebra-cabeças nos contextos frequentemente diferentes aos quais são aplicadas. Essa não é uma posição relativista e revela em que sentido sou um crente convicto do progresso científico. Contudo, se comparada com a concepção de progresso dominante, tanto entre filósofos da ciência como leigos, essa posição revela-se desprovida de um elemento essencial. Em geral, uma teoria científica é considerada superior a suas predecessoras não apenas porque é um instrumento mais adequado para descobrir e resolver quebra-cabeças, mas também porque é, de algum modo, uma representação melhor do que a natureza realmente é. Ouvimos frequentemente dizer que teorias sucessivas se desenvolvem sempre mais perto da verdade ou se aproximam mais e mais desta. Aparentemente generalizações desse tipo referem-se não às soluções de quebra-cabeças, ou predições concretas derivadas de uma teoria, mas antes à sua ontologia, isto é, ao ajuste entre as entidades com as quais a teoria povoa a natureza e o que “está realmente aí”.

Thomas Kühn

Conjectures sobre a estrutura do mundo

De fato, nosso objetivo como cientistas é descobrir a verdade sobre os problemas que nos confrontam; precisamos, portanto, ver as teorias como tentativas sérias de encontrar a verdade. Ainda que não sejam verdadeiras, são importantes aproximações da verdade, instrumentos para novas descobertas. O que não significa que devemos contentar-nos em vê-las apenas como etapas de aproximação, ou instrumentos. Assumir essa atitude representaria abandonar até mesmo a concepção de que são instrumentos de descobertas teóricas, levando-nos a vê-las como meros instrumentos destinados a algum objetivo observacional ou pragmático.
[…]

Se nos contentarmos em considerar nossas teorias como simples etapas, a maioria delas deixará de cumprir bem até mesmo este papel. Por isso não devemos buscar teorias que sejam meros instrumentos para a exploração dos fatos; devemos procurar encontrar teorias genuinamente explicativas – conjecturas sobre a estrutura do mundo.

Karl Popper

Disposição para novas descobertas

Os cientistas ainda não parecem entender suficientemente que todas as ciências da terra devem contribuir com evidências para desvendar o estado de nosso planeta em épocas anteriores, e que a verdade da questão só pode ser alcançada pela combinação de todas essas evidências… É somente vasculhando a informação fornecida por todas as ciências da terra que podemos esperar determinar a “verdade” aqui, isto é, encontrar o quadro que expõe todos os fatos conhecidos no melhor arranjo e que, portanto, tem o maior grau de probabilidade.
Além disso, temos que estar sempre preparados para a possibilidade de que cada nova descoberta, não importa o que a ciência forneça, possa modificar as conclusões que tiramos.

Alfred L. Wegener

Intendência do meio ambiente

O imperativo ético deve ser […] prudência acima de tudo. Devemos considerar cada partícula de biodiversidade inestimável, insubstituível, enquanto aprendemos a usá-la e a compreender o que significa para a humanidade. Não devemos intencionalmente permitir que nenhuma espécie ou raça se extingua. Devemos ir além do mero salvamento e começar a restaurar os ambientes naturais, a fim de ampliar as populações selvagens e estancar a hemorragia da riqueza biológica. Não pode haver propósito mais inspirador do que iniciar uma era de restauração, recuperando a diversidade sublime da vida que ainda nos cerca. […]

A intendência do meio ambiente está num domínio próximo da metafísica, e toda pessoa capaz de refletir poderá certamente encontrar um solo comum. […] Uma ética ambiental duradoura almejará preservar não apenas a saúde, o bem-estar e a liberdade da nossa espécie, mas também o acesso ao mundo em que o espírito humano nasceu.

Edward Osborne Wilson

Extinção é a regra

Quando investigamos longos períodos de tempo, encontramos algo muito parecido. Porque nos registros fósseis fica claro que quase todas as espécies que já existiram estão extintas; a extinção é a regra, a sobrevivência é a exceção. E nenhuma espécie tem permanência garantida neste planeta.

[…] A última grande extinção de vida planetária ocorreu há cerca de 65 milhões de anos, quando os dinossauros e inúmeras outras criaturas terrestres e marinhas desapareceram simultaneamente. […] A persistência e multiplicação de armas nucleares, a provável proliferação de tais armas em outros países que hoje não as possuem, e os esforços bloqueados, adiados e fracassados de livrar-nos dessas ameaças à vida do planeta, inclusive à nossa própria, parecem-me hoje uma ordem de problemas diferente do que parecia até recentemente. Já não é um assunto de política, a ser deixado à sensatez e previdência de uns poucos estadistas e de uns poucos chefes militares, nuns poucos Estados nacionais. É um impasse global, que envolve toda a humanidade.

Carl Sagan

Domínio da natureza

O homem domina a natureza não pela força, mas pelo entendimento. É por isto que a ciência teve sucesso onde a magia falhou: porque ela não procurou encanto para lançar sobre a natureza. O alquimista e o feiticeiro da Idade Média pensavam, e pensa até hoje o fã de histórias em quadrinhos, que a natureza poderia ser dominada e suas leis ultrajadas por uma invenção. No entanto, aprendemos, em quatrocentos anos desde a Revolução Científica, que só alcançamos nossos objetivos pelas leis da natureza, controlando-as apenas por meio do entendimento de suas leis. Não podemos sequer intimidar a natureza por qualquer insistência em Invenções que detenham poder sobre ela. Devemos nos contentar com o poder como subproduto de sua compreensão.

Jacob Bronowski

Restrições aos atos humanos

O pensamento de que o mundo põe restrições aos atos humanos é frustrante. […] No entanto, tanto quanto podemos dizer, este é o modo como o universo está construído. Esses impedimentos não só nos empurram em direção a uma pequena humildade, como tornam o mundo passível de conhecimento.

Cada restrição corresponde a uma lei da natureza, a uma regularização do universo. Quanto mais restrições houver quanto ao que a matéria e a energia podem fazer, mais conhecimentos poderão os homens alcançar. O fato de o universo ser susceptível de conhecimento não depende apenas do número de leis da natureza que existem e respeitam a fenômenos diferentes, mas sobretudo da capacidade intelectual de compreendermos essas mesmas leis. As nossas formulações que se relacionam com as regularidades da natureza estão certamente dependentes do modo como o cérebro está construído e, a um outro nível, de como o universo está construído.

Carl Sagan

Conservação da energia

Existe um fato ou, se você preferir, uma lei que governa todos os fenômenos naturais conhecidos até agora. Não se conhece nenhuma exceção a essa lei – ela é exata, pelo que sabemos. A lei chama-se conservação da energia. Segundo ela, há certa quantidade, denominada energia, que não muda nas múltiplas modificações pelas quais passa a natureza. Por ser um princípio matemático, trata-se de uma ideia extremamente abstrata que diz que há uma grandeza numérica que não se altera quando algo acontece. Não é a descrição de um mecanismo ou de algo concreto; é apenas um fato estranho de que podemos calcular certo número e, quando terminamos de observar a natureza em suas peripécias e calculamos o número de novo, ele é o mesmo (algo como o bispo na casa branca que, após um número de lances cujos detalhes ignoramos, continua na casa branca; é uma lei desta natureza).

Richard Feynman

Domínio da escrita

Se se pensa no domínio da escrita simplesmente como a capacidade básica de reconhecer símbolos ou decodificar letras, associando-as a sons ou palavras, a significados, as implicações da alfabetização, embora importantes, são forçosamente limitadas. Mas se entendermos o domínio da escrita na acepção clássica – como a capacidade de entender e usar os recursos intelectuais oferecidos por cerca de três mil anos de diferentes tradições escritas –, as implicações de aprender a tirar partido desses recursos podem ser enormes: não só porque a escrita permitiu a acumulação de tesouros guardados em textos, mas também porque ela implica uma série de procedimentos para agir sobre a linguagem e pensar sobre ela, sobre o mundo e nós próprios.

David R. Olson

Processo de cooperação

O fascinante processo de cooperação não se sustenta sozinho sem ajuda. As bactérias são capazes de perceber a presença de outras por meio de sondas químicas instaladas em suas membranas, e podem até distinguir as suas parentes das forasteiras pela estrutrura molecular dessas sondas. Esse é um modesto precurso da nossa percepção baseada em imagens. Esses surgimentos em ordem tão estranha revelam o imenso poder da homeostase. O indomável imperativo homeostático, atuando por tentativa e erro, selecionou naturalmente soluções comportamentais disponíveis para vários problemas da gestão da vida. Os organismos vasculharam e avaliaram, impremeditadamente, a física de seu ambiente e a química dentro de suas membranas e, da mesma forma, chegaram a soluções no mínimo adequadas, mas frequentemente boas para a manutenção e a prosperidade da vida.


O espantoso é que, quando configurações de problemas comparáveis foram encontradas em outras ocasiões, em outros pontos da emanharada evolução das formas de vida, foram encontradas as mesmas soluções. A tendência a determinadas soluções, a esquemas semelhantes, a algum grau de inevitabilidade, resulta da estrutura e das circunstâncias de organismos vivos e de sua relação com o ambiente, e depende da homeostase de forma assombrosa.

António Damásio

Linguagem da natureza

Todos nós sabemos que o mundo em que vivemos é dominado por movimento e variação. A Terra move-se em sua própria órbita em torno do Sol; uma colônia de bactérias cresce; uma pedra lançada para cima vai perdendo velocidade, e, em seguida, cai ao chão com velocidade crescente; elementos radioativos se desintegram. Estes são apenas alguns itens no rol infindável de fenômenos para os quais a Matemática é o meio mais natural de comunicação e compreensão. Como disse Galileu há mais de 300 anos: “O Grande Livro da Natureza está escrito com símbolos matemáticos”. O Cálculo é o ramo da Matemática cujo principal objetivo é o estudo do movimento e da variação. É um instrumento indispensável de pensamento em quase todos os campos da ciência pura e aplicada – em Física, Química, Biologia, Astronomia, Geologia
[…].

Qualquer que seja o padrão de medida, os métodos e as aplicações do Cálculo estão entre as maiores realizações intelectuais da civilização.

George Simmons

Experimentação e generalização

A experiência é a única fonte da verdade. Só ela pode nos ensinar algo novo; só ela pode nos dar certeza. Esses são dois pontos que não podem ser questionados. Mas então, se experimento é tudo, que lugar resta para a física matemática? […]

[…] A física matemática existe. Prestou um serviço inegável, e isso é um fato que precisa ser explicado. Não é suficiente apenas observar; devemos usar nossas observações e, para isso, devemos generalizar. Isto é o que sempre foi feito, só que a lembrança dos erros passados ​​tornou o homem cada vez mais circunspecto, ele observou cada vez mais e generalizou cada vez menos. Cada época zombou de seu predecessor, acusando-o de ter generalizado com muita ousadia e ingenuidade. Descartes costumava lamentar os jônios. Descartes, por sua vez, nos faz sorrir, e sem dúvida algum dia nossos filhos rirão de nós. Não há como chegar imediatamente à essência da questão e, assim, escapar da zombaria que prevemos? Não podemos nos contentar apenas com a experiência? Não, isso é impossível; isso seria um completo mal-entendido do verdadeiro caráter da ciência. O homem de ciência deve trabalhar com método. A ciência é feita de fatos, como uma casa é feita de pedras; mas um acúmulo de fatos não é uma ciência mais do que um monte de pedras é uma casa. Mais importante de tudo, o cientista deve ter perspicácia. Carlyle escreveu em algum lugar algo assim. “Nada além dos fatos são importantes. John Lackland passou por aqui. Aqui está algo que é admirável. Aqui está uma realidade pela qual eu daria todas as teorias do mundo.” Carlyle era um compatriota de Bacon e, como ele, desejava proclamar sua adoração ao Deus das Coisas como elas são.

Mas Bacon não teria dito isso. Essa é a linguagem do historiador. O físico provavelmente teria dito: “John Lackland passou por aqui. É tudo a mesma coisa para mim, pois ele não passará por aqui novamente.”

Todos nós sabemos que existem experiências boas e ruins. Estes últimos acumulam-se em vão. Quer sejam cem ou mil, uma única obra de um verdadeiro mestre — de um Pasteur, por exemplo — será suficiente para varrê-los ao esquecimento. Bacon teria entendido isso perfeitamente, pois inventou a frase experimentum crucis; mas Carlyle não teria entendido. Um fato é um fato. Um estudante leu tal e tal número em seu termômetro. Ele não tomou nenhuma precaução. Isso não importa; ele a leu, e se é apenas o fato que conta, esta é uma realidade que tem tanto direito a ser chamada de realidade quanto as peregrinações do rei John Lackland. O que, então, é um bom experimento? É isso que nos ensina algo mais do que um fato isolado. É isso que nos permite prever e generalizar. Sem generalização, a previsão é impossível. As circunstâncias sob as quais se operou nunca mais serão reproduzidas simultaneamente. O fato observado jamais se repetirá. Tudo o que se pode afirmar é que em circunstâncias análogas se produzirá um fato análogo. Para predizê-lo, devemos, portanto, invocar a ajuda da analogia – ou seja, mesmo neste estágio, devemos generalizar. Por mais tímidos que sejamos, deve haver interpolação. A experiência só nos dá um certo número de pontos isolados. Eles devem ser conectados por uma linha contínua, e isso é uma verdadeira generalização. Mas mais é feito. A curva assim traçada passará entre e perto dos pontos observados; não passará pelas próprias pintas. Assim, não estamos restritos a generalizar nosso experimento, nós o corrigimos; e o físico que se abstivesse dessas correções, e realmente se contentasse com a experiência pura e simples, seria compelido a enunciar de fato leis muito extraordinárias. Os fatos isolados não podem, portanto, nos satisfazer, e é por isso que nossa ciência deve ser ordenada, ou melhor ainda, generalizada.

Costuma-se dizer que os experimentos devem ser feitos sem ideias preconcebidas. Isso é impossível. Não apenas tornaria infrutíferas todas as experiências, mas mesmo que quiséssemos fazê-lo, não poderia ser feito. Todo homem tem sua própria concepção do mundo, e isso ele não pode deixar de lado tão facilmente. Devemos, por exemplo, usar a linguagem, e nossa linguagem está necessariamente impregnada de ideias preconcebidas. Só que são ideias preconcebidas inconscientes, que são mil vezes as mais perigosas de todas. Devemos dizer que, se fizermos com que outros intervenham de que estamos plenamente conscientes, apenas agravaremos o mal? Eu não penso assim. Estou inclinado a pensar que eles servirão como amplos contrapesos – eu quase ia dizer antídotos. Eles geralmente discordarão, entrarão em conflito uns com os outros e, ipso facto, nos forçarão a olhar as coisas sob diferentes aspectos. Isso é suficiente para nos libertar. Ele não é mais um escravo que pode escolher seu mestre.
Assim, por generalização, cada fato observado nos permite prever um grande número de outros

Assim, por generalização, cada fato observado nos permite prever um grande número de outros; apenas, não devemos esquecer que só a primeira é certa, e que todas as outras são meramente provável. Por mais solidamente fundamentada que uma previsão possa parecer para nós, nunca temos certeza absoluta de que o experimento não provará que ela é infundada se trabalharmos para verificá-la. Mas a probabilidade de sua precisão é muitas vezes tão grande que praticamente podemos nos contentar com ela. É muito melhor prever sem certeza do que nunca ter previsto. Nunca devemos, portanto, desdenhar de verificar quando a oportunidade se apresenta. Mas todo experimento é longo e difícil, e os trabalhadores são poucos, e o número de fatos que precisamos prever é enorme; e além dessa massa, o número de verificações diretas que podemos fazer nunca será mais do que uma quantidade desprezível. Desse pouco que podemos atingir diretamente, devemos escolher o melhor. Todo experimento deve nos permitir fazer um número máximo de previsões com o maior grau de probabilidade possível. O problema é, por assim dizer, aumentar a produção da máquina científica. Posso ser autorizado a comparar a ciência a uma biblioteca que deve continuar crescendo indefinidamente; o bibliotecário tem fundos limitados para suas compras e deve, portanto, esforçar-se para não desperdiçá-los. A física experimental tem que fazer as compras, e a física experimental sozinha pode enriquecer a biblioteca. Quanto à física matemática, seu dever é elaborar o catálogo. Se o catálogo for bem feito, a biblioteca não será mais rica; mas o leitor poderá utilizar suas riquezas; e também mostrando ao bibliotecário as lacunas em sua isso o ajudará a fazer um uso criterioso de seus fundos, o que é tanto mais importante quanto esses fundos são totalmente inadequados. Essa é a regra da física matemática. Deve direcionar a generalização, de modo a aumentar o que chamei há pouco de produção da ciência. Por que meios ele faz isso, e como pode fazê-lo sem perigo, é o que temos que examinar agora.

Jules Henry Poincaré (1854-1912), Ciência e Hipótese (1905).

Cópia não autorizada: verificar lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.